Por Izaias Matos e Patrícia Bruzaca
“...Chegando a Jerusalém, Jesus entrou no templo e ali começou a expulsar os que estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas... E os ensinava dizendo: Não está escrito: A minha casa será chamada por todas as nações, casa de oração? Mas vós fizeram dela um covil de ladrões...” Marcos 11:15-17
Na Idade Antiga, numa época marcada pela ascensão do cristianismo, onde as culturas pagã, cristã, judaica e greco-romana misturavam-se em meio à sociedade de Alexandria, destaca-se a figura da jovem Hipátia (370-415 d.C.). Filósofa neoplatônica conhecida por seus conhecimentos astronômicos e matemáticos acabou sendo vista pelo patriarca Cirilo como ameaça à igreja cristã local, devido à influência que ela exercia perante a sociedade e os magistrados. Temerosos diante da influência de Hipátia, a Igreja propõe que ela deixasse suas crenças, ensinamentos e legados de lado convertendo-se ao cristianismo. Entretanto, essa proposta não foi aceita pela filósofa, o que culminou em sua trágica morte, sendo golpeada, desnudada e arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja. No interior do templo, foi cruelmente torturada até a morte, tendo o corpo dilacerado por conchas de ostras. Depois de morta, o corpo foi lançado a uma fogueira. Tudo isso em nome de um cristianismo fanático que não permitia que filósofos e mentores, estudiosos e questionadores, possibilitassem à sociedade da época o acesso ao conhecimento fora dos limites estabelecidos pela igreja, tornando-os hereges e rebeldes, inimigos da cruz.
Nessa época, puniam-se os rebeldes com a morte, hoje, pune-se com ferramentas de manipulação da mente que enfraquecem e matam a alma, como o medo. Medo do ir para o inferno, de ser amaldiçoado, de ser severamente castigado por Deus. Verdadeiras prisões mentais; muito diferente dos ensinamentos de Cristo que trazem vida e liberdade.
Certamente, se Cristo viesse outra vez como homem e estivesse entre nós, novamente seria morto, pois seria tido como rebelde.
Talvez soe muito estranho lhe apresentar Jesus como um rebelde. Afinal, rebelde é sinônimo de insubmisso, desobediente, indisciplinado. Porém, rebeldia também é a não conformidade com algo ou oposição e resistência a uma autoridade constituída ou regras estabelecidas. Daí dizer-se que rebeldes são perturbadores da ordem. Seria erro então, dizer que Jesus era um rebelde em relação ao sistema vigente em sua época? Seria um insulto afirmar que Jesus era rebelde em relação ao farisaísmo e demais ordens religiosas que distorciam a verdade das escrituras? Não seria por causa dessa “rebeldia” que o mataram?
Com isso, não afirmamos que Jesus era um perturbador da ordem, pelo contrário, Jesus veio pôr ordem onde só existia caos. Mas para isso era necessário desarranjar as filosofias e sistemas vigentes.
Ele ultrapassou a compreensão judaica da Torá revelando verdades que já existiam, mas que devido à cegueira espiritual, os judeus não compreendiam. Opôs-se ao sistema religioso, contrariando verdades que pareciam inerráveis. Sua mente era livre da religiosidade e dos preconceitos. Pensava além dos limites da religião e das tradições, buscando as verdades já plantadas em seu espírito desde muito antes da encarnação, pois embora em um corpo mortal, seu espírito imortal já havia transcorrido por toda a eternidade carregando o conhecimento e sabedoria que ninguém poderia alcançar. Sua ousadia e santa rebeldia nos ensina que podemos ir além do misticismo das religiões, das imposições do mundo e dos ditames dos líderes religiosos. Somos livres para pensar e não há pecado nisso.
Jesus como ser pensante e crítico, não se intimidava perante as autoridades. Seus discursos não perdiam a essência diante de qualquer um deles. A sua palavra permanecia a mesma, os seus ensinamentos imutáveis. O mestre pensava, e não permitia que seus pensamentos fossem tolhidos por qualquer pessoa que se aproximava. Ele não precisava da aquiescência dos doutores da lei para fortalecer seus discursos. Apesar da tentativa dos escribas e fariseus de confundi-lo, isso não ocorria, pelo contrário, Ele continuava a ensinar seus discípulos advertindo-os da hipocrisia e dos ensinos corrompidos dos fariseus.
Infelizmente, mesmo diante dos ensinamentos do Mestre e dos apóstolos, ainda há quem diga que não devemos contrariar os ensinamentos dos sacerdotes de nossa época, mesmo que estejam errados, pois é causa de maldições. Mera tentativa de calar cristãos pensantes, elevando toda dúvida e questionamento ao pecado de rebelião.
Como estes classificariam os cristãos de Beréia (exímios examinadores da escritura)? O que diriam de Pedro, Paulo, João e de Judas quando advertiam as igrejas acerca dos falsos ensinadores? Provavelmente seriam todos por eles amaldiçoados e lançados no fogo, simplesmente por não terem visões e ensinamentos compatíveis com aquilo que eles decidiram pregar como verdade. O próprio Cristo nos advertiu sobre eles e jamais deveremos temê-los. O discurso de vida nunca deverá ser cessado.
A vontade do inimigo de nossas almas é que nos acomodemos à aparente realidade que nos envolve e que sejamos passivos diante de tal. Meros espectadores da vida.
Discorde e serás tido como rebelde, proteste e serás amaldiçoado. Sendo assim, entre a benção do conformismo e da aceitação de falsos ensinamentos e a maldição da rebeldia, escolhemos ser rebeldes. Pois nos espelhamos em Jesus. Seremos hereges por isso?
Os mesmos cristãos que assassinaram Hipátia certamente teriam ajudado a matar o próprio Cristo, pois estavam em defesa apenas de questões religiosas; seu fervor era pela religião que estava crescendo e se organizando e não por Jesus.
Nosso discurso não é de mera rebeldia contra a religião ou seus líderes. Não se trata de um protesto de recalcados desencantados com o cristianismo, mas de um discurso de fé e esperança. Fé no Cristo que vive e reina para sempre, cuja verdade está além dos conceitos e convenções humanos; que nos dá a esperança de viver a eternidade sem mediocridade, no perfeito amor.
Não somos seguidores de um Cristo manipulado por homens, que se amolda à vontade dos sacerdotes; que se torna marionete no palco das Igrejas, usado por gente que pensa poder coloca-lo contra a parede para satisfazer seus desejos. Se for rebelião ir contra tais coisas, o Cristo a quem seguimos é mais que rebelde. Seguimos então, a nosso rebelde Jesus.
Glória, pois, a Ele, que nos fez povo seu e ovelhas do seu pasto!
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